Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).

Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.

Leia, comente e volte sempre... Ou faça como a gente e não saia nunca mais.

23 de março de 2010

Controle

Acordei com vontade de destruir as belezas naturais. Ceifar todas as flores, secar todas as folhas e apodrecer todos os frutos. Tenho vontade de me sobrepor a Natureza para ser enterrado no meio das nuvens, e depois, chover por todo lugar.

Tentem entender que nada me conserta, que eu não fui criado para crescer assim. Me questiono sobre o significado dos meus sentidos. Por que existem as cores, se a luz e a sombra me são suficientes? Existência... O que isso importa? Eu existo nos melhores termos que eu posso.

O passado não é parte do futuro. O presente está entregue. Neste tempo, eu perdi o controle.





"I'll walk you through the heartbreak,

Show you all the out takes,
I can't see it getting higher,
Systematically degraded,
Emotionally a scapegoat,
I can't see it getting better."

19 de março de 2010

Primeira tentativa

Nunca havia visto você chorar. Você já me viu tantas vezes... naquele mesmo dia, eu chorava e você olhava. Suas reações ambivalentes são duas: ou me manda parar de chorar, com sua estupidez oculta num falso “por favor”, ou me abraça, atordoado pela dor afligida sem visão de reparo. Sinto que seus instrumentos são escassos. Grosseria ou um mero amparo físico. Suas palavras frágeis não dão conta do momento. Sobre sua falta de sensibilidade, choro mais; sobre sua falta de outras ações de consolo, tento me acalmar para te acalmar. Sei o quanto desesperado você fica quando me fere.

Então por que fere?

Sem respota, coube a mim pontuar a sentença: vi, claramente, seu desespero, ainda coberto pela indiferença do “tanto faz”. Segurou meus pertences como certeza da minha estadia. Veja bem: há o concreto e a ideação. Poderia me pôr em cativeiro, mas eu não mudaria de ideia. Tentei uma saída algumas vezes mais e desisti sentada na cama, a chorar baixinho. Naquele momento, não poderia ter nada do que queria.

Entre grosserias e brutalidades, desatei a desistir. Chorei para expelir-te de mim. De dentro pra fora. Ao meu lado, me abraçou. Tentava tirar-te de dentro de mim e você lá, tentando se colar dentro novamente.

Tempo se passa, as posições se alteram. Frente a frente, evito seu olhar para chorar comigo mesma. Em território inimigo, nos escondemos como podemos. Você, também, conversa consigo mesmo. E chora. Desconfiada, observo para ver o quão real é, será que é teatro? Ao ver seus lábios vermelhos tremerem, reconheço tal fenômeno, sentido por dentro. Segura o choro, afinal, é isso que os homens fazem. Suas lágrimas escorrem, sem olhar para mim.

Em busca da verdade dita, questiono “por que chora?”. Ouço um discurso sobre minha ausência. Percebo que você senti-la-ia mais do que o inverso. Se é assim, te abraço.

Se você não quer me perder, por que tenta?
(09.03.09)

14 de março de 2010

Adeus, Rambo

Rambo era um cão inteiro preto, forte e simpático. O dono das terras. Todos o obedeciam, era o chefe da matilha. Mandava os outros cães correrem, voltarem, latirem ou ficarem quietos. E, como um bom chefe, era o mais esperto. Sabia pular a sacada e ficar na varanda, pois tinha direitos, era o mais velho de lá. Bastava uma virada de rosto e Rambo entrava e se sentava num tapete ou numa cadeira.

Com o passar dos anos, Rambo foi envelhecendo. Já não corria com os outros, mas ainda comandava a matilha. Em seu lar, era o único com uma casinha, na qual se lia "RAMBO".

Nestes últimos anos, Rambo estava velho e doente. Saía pouco de casa, latia pouco, andava com dificuldade. Fedia. Fedia muito, tinha problemas de pele. Mas quando viu um de nós, encostava seu pesado e cansado corpo no nosso, pedindo carinho.

Soube hoje que ele estava muito mal. Uivava muito de dor. Até que não se ouviu mais seus uivos. Quando foi-se verificar o que aconteceu, Rambo estava na represa. Acredito que ele viveu tudo o que quis e decidiu seu fim.


10 de março de 2010

Papel Molhado

Eu estou me tornando indefinido a cada dia que passa. Desaparecendo, perdendo o foco do que é. Às vezes eu me sinto tão fino e frágil. Às vezes eu acho que minha insignificância me torna invisível e posso ver através de mim mesmo. Então sinto seu abraço para mostrar que somos reais. Eu sinto suas unhas fazendo feridas que eu insisto em cutucar. É só uma tentativa de cavar uma porta e tentar me esconder em mim mesmo. Eu consegui atravessar e me tornar o invisível dentro do invisível, a forma mais abstrata na qual me vejo.

Como se eu soubesse que era algo ruim, me deixei amar. Me deixei guiar pelo perfume da sua pele de papel, embrulhar meus segredos nos seus cabelos mortos e mergulhar fundo dentro de você. Eu sou essa dor no teu coração, e quando pensei que estivesse livre, você se tornou o vazio infinito dentro do meu peito. Eu acho que te inventei só para me machucar. E funcionou.

Quase todo dia eu esqueço que estou vivo. Eu não devia ouvir e não devia acreditar. Mas eu ouço. Mas eu acredito. Eu costumava ser alguém, e agora nada pode me parar. Não há nada a temer, porque tudo o que eu sempre quis está dentro de uma lágrima.

Seus olhos de amendoim bóiam no choro tempestuoso. Encosto meu rosto no teu, misturando o sumo de corações apertados. Somos tão frágeis e tristes quanto papéis molhados, de letras borradas, até nos resumirmos ao nada. Agora eu sei porque as coisas não são tão lindas por dentro.











Tudo é de papel e está cheio d'água.

8 de março de 2010

Babel

A chuva de miçangas pretas e vermelhas confirmava a zica. O ciclo que estoura sem esforço e se espalha aos meus pés. Me ajoelhei para recolher aquelas contas de massa vitrificada espalhadas por todo o chão, escondidas pelo meu corpo. Quem me ajudou, não me ajuda mais. Se eu estivesse sozinho, teria engolido a guia inteira para satisfazer meus estranhos anseios, assim como fazia ao beber os vidros de perfume em segredo - o gosto ácido me lembra vida. Mas ela estava comigo, não quis assustá-la.

Na igreja vazia da Santa Cruz foi onde encontrei o silêncio absoluto para as tormentas da minha cabeça, enquanto perambulava a pé o caminho até em casa. Circulei pelos santos, toquei nos símbolos proibidos às mãos, quis confessar. Atravessei a cortina e o breu tomou conta dos meus olhos. Não tinha ninguém do outro lado do confessionário, continuei falando. Melhor assim, sem ninguém para eu arrastar para o meu inferno.

Na saída, roubei o que achei ser um escapulário, mas descobri depois que era um terço azul clarinho. Na rua, olhei mais atentamente para o meu novo troféu a fim de conhecer os detalhes do que agora era meu. Quando meus olhos encontraram a cruz, ela escapou e caiu no asfalto escuro. E desapareceu. Procurei Jesus em vão. Guardei o souvenir me sentindo mais derrotado do que quando entrei.

Os caminhos que escolho são tortuosos, por mais paraíso que pareça. Consigo transformar as mais belas pinturas da Natureza em monstros. Consigo transformar os mais belos acasos em perfeitas desarmonias ruinosas, graças ao meu infinito pensar. Meu corpo é Babel e toda vez que cresço, comino ao fracasso. As veias são caminhos cheios de sangue. No peito bate algo que a razão não compreende. Os olhos enxergam o que não é tido como real. Vejo o coração como uma flor que não cuidei, deixei tudo rachar e morrer. Eu sou o mau. Eu sou a destruição.



De tudo e todos à minha volta.

3 de março de 2010

Centro de São Paulo, cinema pornô e dois dados fulmegantes +18

A vida
[no centro de São Paulo]
já é estranha por si só.

Quarta-feira de cinzas. 2010.

Dois. Dobrei a bermuda até o meio da coxa, pus um Trident na boca e atravessei a Santa Ifigênia, de shortinho, regata, óculos de sol e chiclete. Encontrei muito mais do que eu queria, mas não encontrei o que procurava.


Tinha tempo livre hoje de manhã, a cabeça cheia de parafernálias antigas que vieram me incomodar, misturando as merdas atuais com os rebuliços de antes. Por que não brincar?, já faz tanto tempo e não tenho nada melhor a fazer enquanto estou perdido no centro. Cinco.

Cinco. Penso. Não, não se pode pensar na escolha dada, já foi feita, sorria e faça com vontade. Vou ao apartamento dela. No caminho, o fedor de mendigos que não estão mais ali – uma mistura de lixo, suor e fezes digna de uma boa careta matinal -, outros jogados nas calçadas, pombos, gente, policiais, ratos, camelôs... Nem sei mais a diferença de um para outro. Quanto tempo faz desde a última vez? Ahh é, dezembro. – Oi. Um pico logo pela manhã, para acordar com disposição. – Você por aqui, baby, que surpresa... agradável, eu acho – disse com uma voz cansada de carnaval, num corpo cansado de carnaval. Claudia havia largado toda sua vidinha burguesa e patética para virar puta no centro. Respeito. - Só tem morfina, baby. – Beleza -, disse com a afobação de uma criança querendo correr pro fliperama, mas odiando sempre esse lance de "baby", soa tão falso e não precisamos disso. Cinco de novo. Pago o que devo e vou embora.

Devo andar até a 24 de Maio, entro na Galeria, fechada, dou umas voltas furadas. Saio do mesmo jeito que entrei, perdido, sonolento, passado, confuso com a vida, entre muitas outras coisas. Passo em frente a um desses cinemas pornôs. Um. Volto ao local. Tem cinema e cabine.

Seis. R$ 1,00 por cinco minutos de cabine, é um preço razoável para uma punheta desonesta. Não sei como essas coisas funcionam, sempre tive curiosidade, mas nunca havia adentrado um pornozão do centro. Sei que devo dar R$ 1,00 à moça do caixa. Ela me retorna uma ficha, dou uma olhada no catálogo exposto na parede, que explica em imagens o que cada um dos oito canais têm a oferecer.

O corredor é escuro, iluminado por uma luz negra fraca. Gemidos de mulheres ecoam alto caminho a fora. Me senti intimidado. Ando entre as cabines, que ficam do lado direito, algumas ocupadas. Comigo entra um cara, um tio sem importância. Me olha com culpa, devolvo o olhar com orgulho. Cabine 9, ele vai na 8. Tenho cinco minutos. O que fazer agora? Coloquei a mochila na cadeira, inseri a ficha e zapeei os canais em pé.

1. Pornô gay. Um cara lambendo o cu do outro e tocando uma pro mesmo outro.
2. Zoofilia. Uma mulher chupando o pênis de algum animal que até agora não consegui identificar.
3. Hetero. Morena dessas ninfetinhas, perceptivelmente a contra-gosto, chupando o pau do cara e não gostando daquilo.
4. Hetero. Loira acabadinha chupando um cara, mas com vontade. Closes na buceta e no cu dela pro ar enquanto chupa. Bela cena.
5. Fora do ar.
6. Hetero. Sexo sem-graça com uma peluda estranha.
7. Fora do ar.
8. Threesome. Um cara e duas garotas. A da pele branca com os cabelos tingidos de vermelho fica só na assistência enquanto o cara enterrava a piroca no rabo da morena gostosinha e bonita.

Nada a ver com o catálogo na parede da entrada.

O dado dizia: masturbe-se. Lá fui eu a muito esforço abaixar a bermuda ali naquele cubículo sujo, cheio de outros homens espalhados, com as paredes sujas de multidões. Na verdade, nada visível, parecia bem limpo até – não que alguém devesse arriscar. A TV 14” dividia a atenção com os avisos de que “É proibido fumar” e “É proibido entrar acompanhado na cabine. Não insista!”. Não sentia a mínima vontade de sexo naquele momento, naquele lugar. Restava agora ver qual canal seria dono dos meus lonely soldiers.

UM!

Mentira! Hahaha. Deu seis de novo, ou seja, eu teria direito a 30 segundos mais ou menos para cada canal. O som é bem alto, todos ouvem o que você assiste. Tenso. No final de tudo, lá estava uma parte de mim cuspida naquele chão quadriculado. A TV desliga sozinha. Subo a bermuda numa cena decadente. Olho a parede no meu lado direito e tem um buraco na altura do pênis. Interessante. O tio da 8 tinha acabado de sair, então olhei pelo buraco, óbvio. Tomei um puta susto, tinha outro cara lá, mas dessa vez, passando um pano no chão que devia estar mais sujo que o próprio chão.

Limpei o meu vestígio em mim mesmo, me perguntando puto como não tem um papel naquela porra? Literalmente, porra. Volto ao corredor bizarro e a primeira coisa que olho é um daqueles troços que ficam pendurados no banheiro com papel toalha, ali, inerte bem no meio daquela paredona preta. Que merda. Tudo bem. O tio saiu comigo e parecíamos um casal indo ao altar. Cônjuges que antecederam a lua-de-mel.

Tomei um suco de laranja na saída e, com a mochila mais pesada do que nunca no meu corpo picado, gozado, dolorido, relaxado e cansado ao mesmo tempo, subi a Consolação a pé e fui trabalhar. Fim.